Sempre o gamão: mudanças entre as edições

De Sexta Poética
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Tudo vai bem quando a sorte está do nosso lado. Minha pontuação só aumenta, começo a sentir saudade daquelas pontuações que inspiravam lembranças da minha cidade, como noutras crônicas, lembranças da minha mãe… Minha pontuação só aumenta, cheguei a 3635. Não demorou muito, 4051. Eu que almejava estar entre os primeiros republicanos, eu que me via entre personagens de Machado de Assis, ou mesmo entre os entusiastas da renovação artística nacional na Semana de Arte Moderna de 1922, eu que até estava aceitando até papel secundário num filme do cinema novo de 1962, eu que queria usar o gamão para desembrulhar o final do século XIX e redescobrir o início do século XX, vejam só, cheguei ao longínquo século XL, 4051. 4096, 4141, subi 45 duas vezes, e desci 100, 4041; é preciso estar desocupado e gostar de ler (e encontrar divertimento em adições e subtrações) para acompanhar estas linhas. É certo que a boa literatura atrai, mas a quem apetece a leitura, quase quaisquer palavras entretém a contento. Vitória simples, fui a 4086… Curtindo os louros, descuidei de mim, e, vexame total, tomei um backgammon, menos 150 golds: voltei ao quarto milênio, 3936. Pior que o fracasso é o sentimento de culpa. Depois dessa, perdi a compostura, tornei-me um ébrio, dilapidei o patrimônio, desci de volta ao século XX.
Tudo vai bem quando a sorte está do nosso lado. Minha pontuação só aumenta, começo a sentir saudade daquelas pontuações que inspiravam lembranças da minha cidade, como noutras crônicas, lembranças da minha mãe… Minha pontuação só aumenta, cheguei a 3635. Não demorou muito, 4051. Eu que almejava estar entre os primeiros republicanos, eu que me via entre personagens de Machado de Assis, ou mesmo entre os entusiastas da renovação artística nacional na Semana de Arte Moderna de 1922, eu que até estava aceitando até papel secundário num filme do cinema novo de 1962, eu que queria usar o gamão para desembrulhar o final do século XIX e redescobrir o início do século XX, vejam só, cheguei ao longínquo século XL, 4051. 4096, 4141, subi 45 duas vezes, e desci 100, 4041; é preciso estar desocupado e gostar de ler (e encontrar divertimento em adições e subtrações) para acompanhar estas linhas. É certo que a boa literatura atrai, mas a quem apetece a leitura, quase quaisquer palavras entretém a contento. Vitória simples, fui a 4086… Curtindo os louros, descuidei de mim, e, vexame total, tomei um backgammon, menos 150 golds: voltei ao quarto milênio, 3936. Pior que o fracasso é o sentimento de culpa. Depois dessa, perdi a compostura, tornei-me um ébrio, dilapidei o patrimônio, desci de volta ao século XX.


Enfim, é o que eu queria, de volta ao século XX, estou com 1932 golds. Lembrarei que nesse ano… eu poderia lembrar que nesse ano foi eleita a primeira mulher para o senado americano, mas não, já que aprendemos o que é uma galáxia espiral barrada, vou lembrar que em 1932 foi publicado o livro Viagem ao Céu, por Monteiro Lobato. E estamos conversados.
Enfim, é o que eu queria, de volta ao século XX, estou com 1932 golds. Lembrarei que nesse ano… eu poderia lembrar que nesse ano foi eleita a primeira mulher para o senado americano, mas não, já que aprendemos o que é uma galáxia espiral barrada, vou lembrar que em 1932 foi publicado o livro Viagem ao Céu, por Monteiro Lobato. E ufa, estamos conversados.
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[[Categoria:Crônicas da pandemia]]
[[Categoria:Crônicas da pandemia]]

Edição das 10h39min de 26 de março de 2022

Atingi 2685. No gamão é ponto pra chuchu! Ainda mais se considerar que as partidas valem 10 — pra quem perde, quem ganha só leva 9. Portanto, poucas derrotas e um número considerável de vitórias são necessárias. Além da proeza pessoal, fui atrás de outros significados para, digamos, florear minha crônica. Dei com os burros nágua. Na Wikipedia não existe nenhuma página que recebeu esse nome, apenas com esses algarismos. Mas “NGC 2685” sim, existe, é uma galáxia espiral barrada. O que é isso? Esse tipo de galáxia, diferentemente das simplesmente espirais, tem uma banda central de estrelas brilhantes, que se estendem de um lado a outro da galáxia. Os braços espirais parecem surgir do final da "barra" mestre, enquanto que nas galáxias espirais parecem surgir do núcleo. Se você entendeu essa explicação, está apto a ler, compreender e apreciar a intrincada trajetória da minha pontuação.

Agora atingi 3086 pontos. Imagina uma folhinha pendurada no prego enfiado no rejunte encardido do azulejo branco da cozinha marcando 11 de janeiro de 3086. Inimaginável não é?! Não se apoquente, continue a leitura. Depois de algumas vitórias e algumas derrotas termino com 3126, 40 pontos a mais. O saldo é positivo e o que é melhor, não vi o tempo passar. Não é muito, mas é alguma coisa. Cheguei a 3171. Joguei valendo 50, mas o jogo sempre fica com 10% do vencedor, coletei 45 golds. Recuei para 3121, nem sempre o céu está azul, nem só de glórias vive o homem. A aceitação dos fracassos alavanca o sucesso, ensinam os manuais de auto ajuda. E deu certo, pulei para 3301, um bom salto para frente. Mas logo em seguida , veio um revés de amargar. Não sei quem dobrou, o outro redobrou e quem havia dobrado primeiro continuou confiando nos dados e dobrou em cima da redobra. Se servisse de consolo, o adversário só levou 360, dos 400 que perdi. Fiquei com 2965. Outra derrota, porém perder pouco é melhor que perder muito, fiquei com 2865. Oba, a vida é feita de altos e baixos, não dobrei a aposta mas ganhei dobrado, pois o outro adepto, o que está no lado oposto, não conseguiu tirar nenhuma peça. Reparem, “outro adepto” é o nome menos adversativo que achei para designar aqueles que me proporcionam momentos de bambúrrio. Eu cheguei a 2955, 90 a mais, 10 golds é o imposto. A mesma sorte veio repetida, a mesma coleta, 90 golds a mais, voltei ao quarto milênio, 3045.

Bateu uma canseira de números e pontos, deve estar um suplício para o leitor, se ainda não desistiu. Mas essa não dá para não escrever, presumo que também não dê para interromper a leitura agora, e perder os próximos lances. Fui a 3405 pontos, curiosa inversão de dígitos. Por um instante imaginei ter dado um tilt no cristal líquido da minha tela. Mas não, contei com a inocência do outro jogador. Entramos numa espiral (não galática) de apostas, um dobra, o outro redobra, o outro reredobra, na jogada final, faltando duas peças apenas para eu tirar, com uma chance de fracasso contra 35 chances de sucesso, dobrei a aposta mais uma vez. Dois dados oferecem 36 alternativas de combinação. Tinha apenas uma peça na casa 3 e outra na casa 1. Só no caso de nos dados sairem 1 e 2, eu perderia. O oponente perdeu a cabeça e, certamente sem fazer esse cálculo, aceitou a aposta. Após um nível elevado de tensão, o alívio que eu senti chegou a ser benfazejo.

Tudo vai bem quando a sorte está do nosso lado. Minha pontuação só aumenta, começo a sentir saudade daquelas pontuações que inspiravam lembranças da minha cidade, como noutras crônicas, lembranças da minha mãe… Minha pontuação só aumenta, cheguei a 3635. Não demorou muito, 4051. Eu que almejava estar entre os primeiros republicanos, eu que me via entre personagens de Machado de Assis, ou mesmo entre os entusiastas da renovação artística nacional na Semana de Arte Moderna de 1922, eu que até estava aceitando até papel secundário num filme do cinema novo de 1962, eu que queria usar o gamão para desembrulhar o final do século XIX e redescobrir o início do século XX, vejam só, cheguei ao longínquo século XL, 4051. 4096, 4141, subi 45 duas vezes, e desci 100, 4041; é preciso estar desocupado e gostar de ler (e encontrar divertimento em adições e subtrações) para acompanhar estas linhas. É certo que a boa literatura atrai, mas a quem apetece a leitura, quase quaisquer palavras entretém a contento. Vitória simples, fui a 4086… Curtindo os louros, descuidei de mim, e, vexame total, tomei um backgammon, menos 150 golds: voltei ao quarto milênio, 3936. Pior que o fracasso é o sentimento de culpa. Depois dessa, perdi a compostura, tornei-me um ébrio, dilapidei o patrimônio, desci de volta ao século XX.

Enfim, é o que eu queria, de volta ao século XX, estou com 1932 golds. Lembrarei que nesse ano… eu poderia lembrar que nesse ano foi eleita a primeira mulher para o senado americano, mas não, já que aprendemos o que é uma galáxia espiral barrada, vou lembrar que em 1932 foi publicado o livro Viagem ao Céu, por Monteiro Lobato. E ufa, estamos conversados.