Eita cerrado arcaico
Pela manhã luminosa de janeiro
mangas douradas reunir sobre a grama crescida.
Antes do banho de bica colher as pitangas maduras
lembrando certa tarde em Olinda
(quando Gina, minha anfitriã, fez um suco delicioso
das rubras pitangas compradas na feira )
Os alma de gato estão de volta
revoam e se equilibram graciosos
com longas caudas cor de ferrugem
entre os muitos verdes do arvoredo.
Buscam as lagartas gordas e coloridas
que sobem pelo pé de jasmim.
É tempo de fartura de alimentos, flores, frutas,
sementes e insetos no papo dos passarinhos.
Há que se agradecer à chuva
toda essa generosidade
toda essa beleza e prosperidade
que a terra manifesta
Há que se agradecer ao tempo
o viço dessas plantas
que nos enchem os olhos de beleza
nos curam e alimentam a alma
Olhar com carinho e conhecer melhor
cada árvore desse bosque nativo
cada erva, mesmo que pequena e rasteira
como a poaia, quebra pedra e abrandamundo
pacari, pé de perdiz, sumaré e chapéu de couro
douradinha, congonha, bolsa de pastor e marcelinha
saber de seus princípios curativos
Estamos rodeados de uma farmácia viva
cultivada ao longo de milênios, conhecida pelos antigos
nesse que é o mais antigo bioma do planeta.
Êita cerrado arcaico!
Eita sertão de dentro – sertão
cantado pelo mestre Rosa
Carmo Bernardes e Bernardo Élis
Cora Coralina e Carlos Brandão
Fim da tarde
a claridade azulada
se espalha sobre o quintal
Hora de abrir o coração, cerrado
receber as bênçãos que chegam
com a serenidade deste lugar
Primeira lua cheia do ano.
Pintoandrade, 2009