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De Sexta Poética
Revisão de 11h15min de 14 de novembro de 2016 por Nevinho (discussão | contribs)
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Estou morrendo. Tenho câncer generalizado com o inicial de próstata. São onze anos de sofrimento e tédio. Passo dias e noites com dores e olhando para o nada, um absurdo. Quando será que nosso país aprovará nosso direito à própria vida? A eutanásia é uma medida humanitária e libertadora. Acordo todos os dias para iniciar as sessões de tomar analgésicos. Cada dia é uma tortura. Vou para o computador ver o correio eletrônico. Sempre fui um solitário. Gosto da solidão e ficar ouvindo o silêncio. Vejo muitas propagandas que invadem nossa privacidade. Um dia vejo uma mensagem do Nevinho, um poema. É o início das sextas poéticas. Poesias de Névio Carlos de Alarcão. Poemas sem fim. Perfeitos, bonitos e cheios de ternura, como o próprio poeta.

Há muitos anos atrás conheci um grupo de amigos: Viunicius, Neneto, Nerione e o Nevinho. Fui muito bem aceito e finalmente tinha um “galera”. Foram bons momentos de convivência. Ficamos muito amigos. Éramos bem diferentes uns dos outros, mas um sentimento de amizade nos uniu.Vinicius queria sempre ser o destaque, gostava de aparecer mas seu olhar era de franca admiração quando via o Nevinho. Neneto, com seu jeito “largadão” sempre foi e continua sendo o mais fiel de todos. Nerione era o intelectual. Um homem inteligente, brilhante mesmo. Uma moça bonita e cheia de ternura estava sempre com a gente. Mariângela era um doce de pessoa e era muito apaixonada pelo Nevinho. Ele demorava a se decidir.
Ela cansou de esperar e casou com outro. Acho que seriam felizes para sempre.

“Bem mais do que traduzir
Sentimentos que são grandes,
Seja ele mesmo a grandeza
Que te acolhendo nos braços,
Diga: Descansa meu filho.”

Sabemos que colhemos o que plantamos. Se plantarmos um abacateiro, nunca colheremos abacaxi. Nevinho está colhendo na árvore os frutos do que plantou: Beleza, ternura e amizade.

Sou um buscador. Em 64 era guerrilheiro. Busquei a verdade e o conhecimento em muitos campos. Fui dirigente de Pastoral na igreja católica e explorei muitos campos. Candoblé, espiritismo, várias seitas, Santo Daime e a União do Vegetal. Durante as reuniões da União do Vegetal, tomávamos um infusão de uma planta, a Chacrona com raspas de um cipó chamado Mariri. É o Aiuascar. Um poderoso alucinógeno. O bom é que você sempre tem consciência que o que vê ou ouve é fruto de um alucinação. Sob os efeitos desta beberagem, fui ao Beirute que estava mais bonito que os salões vienenses. A música era muito superior do que as de Mozart ou Beethoven. Ninguém percebeu que eu estava “viajando”.

Busquei pessoas. Nesta minha garimpagem encontrei um diamante sem jaça, Nevinho. Pedra preciosa que ainda guardo em meu coração.

Nevinho era um homem bonito, forte, de bem com a vida, sempre sorridente, um guerreiro. Estabelecemos um vínculo de amizade que perdura até os dias de hoje.

Um dia recebo um impacto. Nevinho tinha sofrido um acidente na saída de seu trabalho e estava com traumatismo crânio encefálico severo. Estava em coma.

Passei a visitá-lo todos os dias. Realizava estímulos dolorosos, via se apareciam os reflexos, observava o fundo do olho e nada. Um tempão neste estado.

Um dia ele acordou. Tinha voltado à vida. Nascia um poeta.

O trabalho deve ser uma fonte de prazer e não um suplício. Amo minha profissão. Os melhores dias de minha vida foram os plantões no Hospital de Base. É o único local de Brasília que tem uma intensa vida noturna e é cheio de calor humano.

Tive um caso dramático. Em uma madrugada, chega um jovem de 17 anos que tinha capotado no trânsito. Quando o examinei estava tetraplégico e com perfuração do pulmão. Levei para o Rx e vi que a coluna tinha deslocado e esta comprimindo a medula. O Sizo me olhou serenamente e me perguntou quais seriam suas chances de vida. Diante de sua firmeza fui sincero. Seriam menor que 10%. Pediu-me que chamasse a mãe. Fiz dois buraquinhos em seu crânio e fixei uma pinça com pesos para colocar a coluna no lugar. Levei-o para o centro cirúrgico e fiz a fixação da coluna. Foi para a UTI. A perfuração do pulmão infeccionou. Um dia sou chamado pela UTI. Disseram-me que era um caso perdido e que teria alta para dar lugar a outro que tivesse melhor probabilidade de vida. Isso foi dito quando a maca estava na porta. O Sizo abriu os olhos e disse: -Não vou morrer!

Foram dias de muita luta. Na enfermaria ele ainda fumava maconha trazida pela sua namorada. Ordenava para a segurança que não a deixasse entrar. Não adiantava. Ela driblava todo mundo e estava sempre ao lado dele. Ele se recuperou. Hoje trabalha no Senado Federal e é pai de três filhos. Tenho a certeza que quem curou o Sizo foi ele mesmo. Foi o poder de sua fé e sua força de vontade.

Em uma madrugada que estava de plantão começou a chegar ambulâncias de várias cidades do Brasil. Não cabia mais ninguém. Ia internando os pacientes no chão duro. Não tinha medicamentos. Não tinha lençol para cobrir os pacientes. Fui ficando tenso e nervoso. Tive um infarto do miocárdio. Do PS fui para a UTI e de lá para São Paulo. Colocaram um “stand” em mim. Tive mais dois outros infartos. Dizem que vaso ruim não quebra.

Gosto de um boteco. Eu, o Neneto e o Toca (Otávio) abrimos um barzino no Gilbertinho que estava em construção.O Papus e Panquecas. Servíamos vinho e panquecas. Achei que não ia dar certo. Distante, escuro e no subsolo. Foi um sucesso. Vivia cheio. Até Teatro a gente fazia com os clientes. Quanto entrava muito dinheiro o Toca fechava o bar, não avisava a ninguém e ia curtir o Rio de Janeiro. Ficavam me telefonando e eu ia abri-lo, repunha o estoque e ficava tocando o bar. O Toca voltava e tudo se repetia. Valeu os momentos agradáveis que vivemos.

Junto com mais oito companheiros do Beirute compramos um bar. Moinho, na 114 Sul. Queríamos ficar proseando até o dia amanhecer. Foi um sucesso imediato. Realizávamos debates políticos e até levávamos orquestra para tocar música clássica. Começou a entrar muito dinheiro, que não era nosso objetivo. O dinheiro despertou a ganância entre alguns. Começaram as brigas e quase se matavam. Foi muito bom com grandes papos.

Acho que a pior coisa do mundo é o dinheiro. Por ele as pessoas se matam. Os países se guerreiam e muitos inocentes são mortos. É a verdadeira praga da Humanidade.

Hoje tenho dois problemas. Dormir e comer.

Não tenho apetite. Vivo de vitaminas. Sou um exemplo de saco vazio que fica em pé.

Passamos um bom tempo juntos. Saíamos e fazíamos programas e sonhos repartidos. Tomar uma cervejinha no Beirute, irmos ao cinema (não esqueço o semblante de espanto do Nevinho quando viu que roubaram seu carro ao sair do Cine Brasília).

Nevinho era assim. Um grande companheiro e sempre de alto astral.

Agora, todas as sextas, fico esperando um poema novo de um Nevinho renascido.

Fui batizado no Budismo com o nome de SHAKU MYO KEN. SHAKU é o sobrenome do Buda SHAKYA MUNI. O nome significa “Aquele que busca a Luz”. Serenidade e Sabedoria. Aprendi que o sofrimento é o caminho em direção à Luz e talvez se chegue à Iluminação tornando-se um Buda.

O sofrimento levou o Nevinho a ter uma vida encantada. Hoje ele distribui pérolas em forma de poemas a todas as pessoas que o conheceram.

Iniciou um poema sem fim...