Para Ariel Rivanadeira

De Sexta Poética
Revisão de 19h45min de 17 de maio de 2009 por Nevinho (discussão | contribs)
Ir para navegação Ir para pesquisar
  1. O que tenho a dizer é que vale a pena perseverar. E acho que sempre vale a pena, mesmo que às vezes não resulte em sucesso. De qualquer modo, sei que poderei dizer: "O meu sucesso é ter perseverado"...
  2. Não sei se tenho talento suficiente e não sei qual a minha predisposição para escrever um livro em prosa. Tenho predisposição quase inata para escrever poemas, estilo mais próximo da poesia.
    No texto em prosa a poesia está mais diluída. O poema não, é expressão direta de poesia, não busca enredar o leitor numa trama poética. O poema dá o bote e vai direto ao cerne. A estratégia é dar pistas e conseguir surpreender a cada verso.
    Um texto em prosa deve recriar situações para envolver o leitor e levá-lo a descobrir paulatinamente a poesia incrustrada na vida.
  3. Sim, tenho síndrome de atropelamento. É tanto pra falar que as palavras atropelam-se, as idéias velozes chegam e vão embora antes de formuladas em frases coesas.
    Eu invento alguém assim como eu que goste de pensar em decassílabos, que estou certo não me sabotará e que quando não houver lógica no que eu digo ele entenda e faça dos rascunhos belos textos.
  4. No suor dos rostos vejo brilho poético / Dos bares, das oficinas escuras / busco a matéria prima literária...
    Em 1985, para realizar o projeto final do meu curso de cinematografia na Universidade precisávamos fazer um roteiro de um documentário na rodoviária de Brasília _ tarefa indicada pelo Professor de cinema da UnB Vladmir Carvalho.
    No ano anterior eu havia conduzido um seminário em sala de aula para o Professor Clodo (do grupo musical Clodo, Clésio e Climério) baseando-me no livro A Coragem de Criar, de Rolo May.
    Em resumo, o que Rolo May ensinava é que a criatividade é fruto da experiência concreta do criador e do compromisso que ele assume com a realidade. Com isso em mente, fui à rodoviária e acabei desenvolvendo o roteiro do filme Infância, baseado no processo fotográfico adotado pelo lambe-lambe (fotógrafos ambulantes), pontuando metaforicamente fatos e acontecimentos de Brasílai e do Brasil.
    Assim, o fatos do freguês vestir o paletó, pentear o cabelo, apertar o nó da gravata estavam relacionados à fase de construção de Brasília. Quando o fotógrafo dispara o obturador da câmara era relacionado à inauguração da cidade, em 1960, e assim por diante.
    O roteiro ficou bom, mas ainda faltava algo que eu não sabia o que era, mas sabia que só podia ser encontrado na realidade do Lambe-lambe, da rodoviária, de Brasília ou do Brasil. O projeto ficou em stand by, engavetado, esperando...
    Um dia, lendo um suplemento do Correio Brasiliense sobre o projeto Bem-te-vi, idealizado pela cineasta Tânia Quaresma, li uma entrevista com o Poeta Ferreira Gullar e soube que ele fora o primeiro Diretor Presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal. Era a peça que faltava para o mosaico que eu estava compondo.
  5. O risco de escrever uma autobiografia é não saber dosar a emoção.
    Meu medo é me perder em detalhes muito significativos pra mim que não sejam interessantes pra mais ninguém. Como a visão dos flamboyants na rua do Setor Comercial Sul, saindo do Sarah Kubitscheck naquele 15 de dezembro de 1981. No final da primavera as árvores estão esbanjando um verde intenso e as flores vermelhas fazem um contraste maravilhoso, uma homenagem à liberdade e a mim que passara um mês e meio internado no Sarah.
    Ou como a minha chegada na SQS 211, onde me aguardavam toda minha família e fui recebido com fogos pipocando no céu e bandeiras do flamengo, meu time de coração. Alguns momentos que me vêm com forte apelo para serem relatados:
    o Zeca, irmão do Bady, foi no Sarah me levar uma foto na 304 Sul, eu levantando a taça de um capeonato de peladas;
    meu pai comigo no Conjunto Nacional e eu de bengala reaprendendo a andar;
    quando superficializei depois de 57 dias em estado de coma, vi meu amigo Milton Ruy olhando-me lívido, um olhar perdido em sua própria condição de neurologista impotente diante da situação;
    meu pai resignado respondendo "compreendo, compreendo..." no momento da chegada ao Hospital Sarah;
    a imagem confusa da Mariângela com máscara protetora falando "Seu danadinho, deixou minhas fotos na gaveta, né?;"
    deitado na maca no consultório da fonoaudióloga Dra. Nólia retomando contato comigo mesmo..."agora sente seu tornozelo, sente o tamanho, o espaço que ele ocupa...;
    Etecetera, etecetera...
  6. É preciso paciência. Quando quero escrever uma torrente de pensamentos e temas e idéias me invade. Pedaços de frases significativas aparecem e vão embora. Causa frustração e sentimento de inadequação. Vou me lembrar novamente daquelas palavras, daquele ritmo, aquele pormenor? É Preciso um "ritual de entrada", todo dia uma espécie de cerimônia para reiniciar o trabalho de escrever.
  7. Escrever é como uma regra de três.
    Ou seja, é uma terapia alternativa _ JR, um cineasta meio underground de Brasília dizia que em vez de gastar dinheiro com psicanalistas, ele produzia seus filmes, dando materialidade às suas fantasias e delírios. Pra mim, escrever funcionana mais ou menos assim, com a vantagem do custo quase zero. Um canto de página e uma caneta BIC muitas vezes são suficiente.
    Nunca imaginei que pudesse ganhar dinheiro com literatura; se não tem o talento do peruano Garcia Marquez ou do brasileiro Jorge Amado, o cara tem que conciliar com outra atividade pra se sustentar. Até Paulo Coelho, quando era parceiro de Raul Seixas, fazia isso. O próprio Carlos Drummond de Andrade, meu paradigma, foi jornalista depois de anos como funcionário público do Ministério da Educação.
    Pensando assim, resignado, subi em minha moto Honda Turuna 125 cc naquele primeiro de setembro de 1981. Com toda a calma do mundo, abotoei o casaco de couro, coloquei o capacete, vesti as luvas e dei partida, na garagem do Sede II do Banco do Brasil, em Brasília.
  8. Falar da minha paixão por moticicletas e lembrar episódios que reforcem essa idéia é uma possibilidade para abordar o tema que quero desenvolver. Mas o viés de tragédia e sofrimento me desanima a continuar.
    Minhas peripécias com uma moto XL 250 Trail que tive, as viagens para Pousada do Rio Quente, certa vez que fui a Luziânia/Brasília, na BR 040 a 200 km/h e outras passagens me conduzem ao momento do impacto na saída da garagem do Sede II.
    Mais próxima à mensagem de perseverança que quero trabalhar, situo minha ligação com as motos numa CZ Tcheca que meu pai utilizava por volta de 1935, 46 anos antes, em suas caçadas de perdiz nos campos próximos a Planaltina.
  9. Meu pai, ao contrário da grande maioria de funcionários públicos de Brasília na década de 60, não veio do Rio, antiga capital. Ele costuma dizer que Brasília é que veio a ele. De fato, nascido em Planaltina, município goiano, ele assistiu aos três anos de idade a solenidade de lançamento da pedra fundamental da futura capital do Brasil, em 1922.
  10. ...
  11. ...

...