Para Ariel Rivanadeira

De Sexta Poética
Revisão de 23h21min de 19 de maio de 2009 por Nevinho (discussão | contribs) (Inserindo o item 7...)
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  1. O que tenho a dizer é que vale a pena perseverar. E acho que sempre vale a pena, mesmo que às vezes não resulte em sucesso. De qualquer modo, sei que poderei dizer: "O meu sucesso é ter perseverado"...
  2. Não sei se tenho talento suficiente e não sei qual a minha predisposição para escrever um livro em prosa. Tenho predisposição quase inata para escrever poemas, estilo mais próximo da poesia.
    No texto em prosa a poesia está mais diluída. O poema não, é expressão direta de poesia, não busca enredar o leitor numa trama poética. O poema dá o bote e vai direto ao cerne. A estratégia é dar pistas e conseguir surpreender a cada verso.
    Um texto em prosa deve recriar situações para envolver o leitor e levá-lo a descobrir paulatinamente a poesia incrustrada na vida.
  3. Sim, tenho síndrome de atropelamento. É tanto pra falar que as palavras atropelam-se, as idéias velozes chegam e vão embora antes de formuladas em frases coesas.
    Eu invento alguém assim como eu que goste de pensar em decassílabos, que estou certo não me sabotará e que quando não houver lógica no que eu digo ele entenda e faça dos rascunhos belos textos.
  4. No suor dos rostos vejo brilho poético / Dos bares, das oficinas escuras / busco a matéria prima literária...
    Em 1985, para realizar o projeto final do meu curso de cinematografia na Universidade precisávamos fazer um roteiro de um documentário na rodoviária de Brasília _ tarefa indicada pelo Professor de cinema da UnB Vladmir Carvalho.
    No ano anterior eu havia conduzido um seminário em sala de aula para o Professor Clodo (do grupo musical Clodo, Clésio e Climério) baseando-me no livro A Coragem de Criar, de Rolo May.
    Em resumo, o que Rolo May ensinava é que a criatividade é fruto da experiência concreta do criador e do compromisso que ele assume com a realidade. Com isso em mente, fui à rodoviária e acabei desenvolvendo o roteiro do filme Infância, baseado no processo fotográfico adotado pelo lambe-lambe (fotógrafos ambulantes), pontuando metaforicamente fatos e acontecimentos de Brasílai e do Brasil.
    Assim, o fatos do freguês vestir o paletó, pentear o cabelo, apertar o nó da gravata estavam relacionados à fase de construção de Brasília. Quando o fotógrafo dispara o obturador da câmara era relacionado à inauguração da cidade, em 1960, e assim por diante.
    O roteiro ficou bom, mas ainda faltava algo que eu não sabia o que era, mas sabia que só podia ser encontrado na realidade do Lambe-lambe, da rodoviária, de Brasília ou do Brasil. O projeto ficou em stand by, engavetado, esperando...
    Um dia, lendo um suplemento do Correio Brasiliense sobre o projeto Bem-te-vi, idealizado pela cineasta Tânia Quaresma, li uma entrevista com o Poeta Ferreira Gullar e soube que ele fora o primeiro Diretor Presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal. Era a peça que faltava para o mosaico que eu estava compondo.
  5. O risco de escrever uma autobiografia é não saber dosar a emoção.
    Meu medo é me perder em detalhes muito significativos pra mim que não sejam interessantes pra mais ninguém. Como a visão dos flamboyants na rua do Setor Comercial Sul, saindo do Sarah Kubitscheck naquele 15 de dezembro de 1981. No final da primavera as árvores estão esbanjando um verde intenso e as flores vermelhas fazem um contraste maravilhoso, uma homenagem à liberdade e a mim que passara um mês e meio internado no Sarah.
    Ou como a minha chegada na SQS 211, onde me aguardavam toda minha família e fui recebido com fogos pipocando no céu e bandeiras do flamengo, meu time de coração. Alguns momentos que me vêm com forte apelo para serem relatados:
    o Zeca, irmão do Bady, foi no Sarah me levar uma foto na 304 Sul, eu levantando a taça de um capeonato de peladas;
    meu pai comigo no Conjunto Nacional e eu de bengala reaprendendo a andar;
    quando superficializei depois de 57 dias em estado de coma, vi meu amigo Milton Ruy olhando-me lívido, um olhar perdido em sua própria condição de neurologista impotente diante da situação;
    meu pai resignado respondendo "compreendo, compreendo..." no momento da chegada ao Hospital Sarah;
    a imagem confusa da Mariângela com máscara protetora falando "Seu danadinho, deixou minhas fotos na gaveta, né?;"
    deitado na maca no consultório da fonoaudióloga Dra. Nólia retomando contato comigo mesmo..."agora sente seu tornozelo, sente o tamanho, o espaço que ele ocupa...
    Meu maior desafio ao escrever sobre essas coisas é mostrar uma história de obstáculos vencidos valorizando as dificuldades, na medida certa que não as mostre como banalidades e enaltecendo as facilidades também na medida certa que ela não me transforme num herói de pastelão.
    É deprimente ler sobre o fracasso contínuo e tentativas frustradas assim como é enfadonho ler sobre retumbantes sucessos repetidos.
  6. É preciso paciência. Quando quero escrever uma torrente de pensamentos e temas e idéias me invade. Pedaços de frases significativas aparecem e vão embora. Causa frustração e sentimento de inadequação. Vou me lembrar novamente daquelas palavras, daquele ritmo, aquele pormenor? É Preciso um "ritual de entrada", todo dia uma espécie de cerimônia para reiniciar o trabalho de escrever.
  7. Bons aqueles tempos em que tive o "ateliê", meu estúdio de arte, um apartamento na SQS 411. Meu amigo William passou uns dias hospedado lá e me deixou um poema belíssimo... terminava perguntando "Ai Deus, o que quiseste dizer comigo?". Nessa época eu morava com a Luciane na 416 Sul e trabalhava quase todos os dias na 411, foi um tempo de muita produção, comecei o Poema sem fim, fiz o Viagem... Não tinha muita disciplina pra escrever, ia pra lá e me punha à vontade, fazia um café, prepara algum lanche, às vezes tinha companhia, quase sempre ficava olhando as paredes, a Avenida L2 Sul em frente, grupos de colegiais no ponto de ônibus, os carros passando, as horas fluindo...
  8. Escrever é como uma regra de três.
    Ou seja, é uma terapia alternativa _ JR, um cineasta meio underground de Brasília dizia que em vez de gastar dinheiro com psicanalistas, ele produzia seus filmes, dando materialidade às suas fantasias e delírios. Pra mim, escrever funcionana mais ou menos assim, com a vantagem do custo quase zero. Um canto de página e uma caneta BIC muitas vezes são suficiente.
    Nunca imaginei que pudesse ganhar dinheiro com literatura; se não tem o talento do peruano Garcia Marquez ou do brasileiro Jorge Amado, o cara tem que conciliar com outra atividade pra se sustentar. Até Paulo Coelho, quando era parceiro de Raul Seixas, fazia isso. O próprio Carlos Drummond de Andrade, meu paradigma, foi jornalista depois de anos como funcionário público do Ministério da Educação.
    Pensando assim, resignado, subi em minha moto Honda Turuna 125 cc naquele primeiro de setembro de 1981. Com toda a calma do mundo, abotoei o casaco de couro, coloquei o capacete, vesti as luvas e dei partida, na garagem do Sede II do Banco do Brasil, em Brasília.
  9. Falar da minha paixão por moticicletas e lembrar episódios que reforcem essa idéia é uma possibilidade para abordar o tema que quero desenvolver. Mas o viés de tragédia e sofrimento me desanima a continuar.
    Minhas peripécias com uma moto XL 250 Trail que tive, as viagens para Pousada do Rio Quente, certa vez que fui a Luziânia/Brasília, na BR 040 a 200 km/h e outras passagens me conduzem ao momento do impacto na saída da garagem do Sede II.
    Mais próxima à mensagem de perseverança que quero trabalhar, situo minha ligação com as motos numa CZ Tcheca que meu pai utilizava por volta de 1935, 46 anos antes, em suas caçadas de perdiz nos campos próximos a Planaltina.
  10. Meu pai, ao contrário da grande maioria de funcionários públicos de Brasília na década de 60, não veio do Rio, antiga capital. Ele costuma dizer que Brasília é que veio a ele. De fato, nascido em Planaltina, município goiano, ele assistiu aos três anos de idade a solenidade de lançamento da pedra fundamental da futura capital do Brasil, em 1922.
  11. O que é literatura? Desde logo, assim que me chamaram de poeta, gostei de ser poeta e cultivei isso em mim. Aos 12 anos, meu primeiro poema foi recitado no Natal para a família reunida:
    Dor, dor que mata, dor ingrata,
    vai embora dor, por favor.
    Dor eu te peço, dor te suplico,
    vai embora que eu fico.
    Falava de uma dor lancinante que meu pai sentia e o fazia gemer noites intermináveis. Eu, menino deitado, sofria aquela dor e a transformei em poema. Foi o começo, achei estranho as pessoas aplaudirem e fazerem festa com algo que falava de dor. Mas era natal e passou, mas nunca me perguntei o que era a literatura. Pra mim era isso: falar o que a gente sente.
    E segui assim, escrevendo um pouco a cada dia, nunca mais parei de escrever, até que quando estava nospitalizado, não sei se antes ou depois de sair do estado de coma, alguns amigos se reuniram e, com a ajuda da minha namorada da época coletaram tudo que estava engavetada e publicaram Desejo e me presentearam na virada do ano, no reveillon de 1982.
    Desse modo, literatura pra mim foi e é escrever o que eu escrevo. Por outro lado, depois que editaram pra mim o livro Desejo, uma pessoa amiga me perguntou quando eu iria “escrever um livro mesmo”. "Não sei", respondi sem entender direito a pergunta. E percebi depois que para muitas pessoas escrever um livro mesmo era escrever um romance, uma autobiografia, algo em prosa. Para essas pessoas escrever versos não é literatura.
    Então, encontrar esse livro de Ariel Rivadaneira Como escrever um livro traz um pouco disso desse preconceito, mas expressa também um incômodo que eu próprio sentia. E me coloquei esse desafio, escrever algo em prosa me apoiando nessas 100 perguntas que o autor coloca e dialogando com suas respostas.
    Quando meu irmão jogou-me as chaves de sua moto 350 cc para que eu desse “uma voltinha”, como pedi sem acreditar na possibilidade, a surpresa foi tanta que sequer pensei se sabia ou não. Subi na moto pela primeira vez e saí trocando as marchas como muitas vezes fizera em imaginação.
    Nem sempre meu irmão emprestava sua moto com essa facilidade. Assimilei a lição: seja audaz, mas nem sempre isso dá certo. E passei minha adolescência com esse lema. Nos três meses e meio que passei hospitalizado meu irmão não foi me visitar uma única vez, mas senti a presença dele a meu lado me encorajando e me dizendo que eu ia superar aquilo.
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