Receita de patê de grão de bico

De Sexta Poética
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Antes de passar para a receita do patê de grão de bico, o chacareiro quis saber se a do pão de açafrão enviada fora bem recebida. Não só bem recebida, como vai ser posta em prática. O amigo informou que repassaria para a esposa, por ela gostar dos desafios culinários. Socialização, externalização, combinação e internalização. É a espiral do conhecimento do Nonaka e Takeuchi em ação.

Ao escrever para o amigo aquela receita, não quis se alongar nos detalhes da obtenção do açafrão. Havia o perigo de a crônica virar um romance. Se desse corda, ia longe. O processo é longo e os cuidados culturais são vários; desde o plantio do rizoma à colheita da cúrcuma, o beneficiamento do produto, lavagem, secagem, moenda e o consumo comedido da especiaria, a descrição de cada etapa pede muitas linhas de texto. Não, não enveredou pelos conhecimentos agrários e sem premeditação alguma eis que surge o grão de bico. Também não é preciso recorrer à cena do amigo paraguaio pedindo por escrito a receita (se você leu a do pão de açafrão, com facilidade remonta o mise en scène todo). Ipsis facto, o pão exige complemento e o chacareiro, para cumprir a exigência, adquiriu o salutar costume de fazer o patê de grão de bico - nada mais natural portanto, que daquela passássemos a esta.

Como quase tudo nessas crônicas da pandemia, aqui as razões giram em torno do SARS-COV 2. Quantos menos consumir industrializados, alimentos que foram manipulados antes, melhor. Ou de outra forma, quanto mais consumir a produção própria melhor. Exagero? Exagerado e falso. Poderia até ser; se fosse levado em conta o bombardeamentoo midiático em torno dos cuidados e precauções necessários para prevenir o vírus, qualquer um seria capaz de acreditar, compreender, perdoar e até ombrear com o chacareiro. Mas não foi nada disso. Simplesmente comentou com certo tom nostálgico sobre o acompanhamento obrigatório nos almoços do bar Beirute, na 109 Sul, e a sua companheira sugeriu que o patê poderia fazer ele mesmo. Ela já umas vezes fizera. Nisso, ele lembrou do emblemático dia que almoçou no Beirute, após uma viagem de dois meses pela Europa, nos melhores dias dormindo em albergues baratos, nos piores dormindo sentado durante viagens noturnas de trem. Landing em solo europeu na capital da Espanha, comprou um ticket para Barcelona e lá comprou um “inter-rail”, bilhete que lhe dava direito de viajar indiscriminadamente de trem durante 30 dias. Várias vezes embarcou no início da noite para qualquer destino do Velho Continente que chegasse pela manhã. Era uma forma de economizar pernoite. A companheira incentivou a tentativa do patê. O chacareiro lembrou ainda dos fatídicos dias do retorno ao Brasil. No trigésimo dia do seu passe livre, tomou um trem na estação de … não lembra, com chegada prevista em Paris no dia seguinte. Deu meia noite, meia noite e pouco, entra novamente na cabine o agente ferroviário e lhe pede o bilhete. Com expressões de quem pouco entende o idioma falado, apresentou o inter-rail. Não precisava saber uma vírgula do idioma, o gestual do agente foi um convite inapelável a pagar ou descer na próxima estação. Sabe Deus em que biboca perdida iria o chacareiro apear. Sem alternativa, complementou em Francos franceses a passagem até Montmartre. Até aí tudo bem, apenas um constrangimento passageiro, o problema é que o viajante não estava, digamos, com folga no orçamento. Mas um homem prevenido vale por dois. O vôo Madri-Rio estava garantido e, para não ter perigo de se empolgar com algum souvenir um pouco mais caro, já estava também com o trecho Paris-Madri comprado. Um pouco antes ou pouco depois do trem deixar o território francês, perto de San Sebastián, conheceu uma cubana que o ajudou a economizar na pensão madrilenha em Puerta del Sol, na última noite em solo europeu. O aeroporto não era longe, meia hora se muito, tempo suficiente porém para ele esquecer, ao descer do ônibus, o saco de manzanas que comprou com as suas últimas monedas. Naquela hora passou a ser quase uma obsessão o filé à parmegiana do Beirute, sempre acompanhado do pão sírio com homus tahine (ou patê de grão de bico, é a mesma coisa). Com paciência, a companheira detalhou os passos para o preparo dessa delícia árabe. O chacareiro aceitou o desafio, fez a tentativa, gostou do processo e do resultado. Adquiriu assim o conhecimento tácito e agora vai explicitá-lo… Socialização, externalização, combinação e internalização - aqueles japoneses sabiam do que falavam.

First of all, no dia anterior o chacareiro pesa 80 gramas de grão de bico e cobre de água num Tupperware. Acha-se na Internet todo tipo de receita, algumas utilizando 1 kg de grão de bico. Deixa estar. No dia seguinte, despreza aquela água e põe numa panela com o dobro mais um tanto de água para ferver. 30 minutos depois que levanta a fervura pode tirar. Enquanto ferve já pode ir colocando no liquidificador dois dentes de alho, um limão espremido, uma colherinha de café de sal, duas colheres de sopa de tahine e duas de azeite. Depois de 30 minutos cozinhando pode tirar o grão de bico e esperar esfriar um pouco. Esfriou, já pode colocar os caroços no liquidificador também e acrescentar da mesma água da fervura até quase cobrir os grãos. Nas primeiras vezes que fez, o chacareiro perdeu tempo tirando a pele de cada grãozinho, um trabalhão à toa. Vai bater tudo e não faz a menor diferença. Não pode colocar muita água pra não ficar aguado demais e não pode botar de menos pra não ficar seco. Fácil de entender, quanto mais vezes fizer, mais vai pegando o jeito e achando o ponto certo.