Imaginação x inspiração: mudanças entre as edições

De Sexta Poética
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(um dia na vida da imaginação (Desafio Literário))
(Sem diferença)

Edição das 18h33min de 30 de abril de 2010

Nesta morada habitam paz, ternura, curiosidade, dúvidas, razão. Moram uns ódios, acho, uns medos, juro, e uma doida: a imaginação.

Começa o dia: a louca acorda cedo. Os outros inda dormem, ela não. Me assobia uns sonhos em segredo, bordando estrelas sobre meu colchão.

Mas nem ligamos para seus delírios, eu e os outros. Acordamos, finalmente. Faço uns alongamentos, sento em frente ao micro, onde digito algumas laudas que mando a um cliente. Espreguiço. Só então escovo os dentes... É quando a doida da imaginação se esbalda: De repente me grita: “O que é isso?!” “Isso o quê?”, pergunto, atordoada. Ela responde, séria: “Nada, nada. É que tinha umas sombras no chuveiro...”

Já vi que vai zoar o dia inteiro. Mas estou conformada: tudo bem.

Eu vou tomar café. Os outros – só assistem. A louca vem, faz da linhaça alpiste, castelos de torradas.

Sobre meus ombros, ri lendo o jornal. Mergulha em minha xícara, que fica instantaneamente povoada de uns goles tortos que engulo sem receio: conheço a louca. Ela é assim meio destrambelhada, tonta, desatenta, mas nunca quis meu mal. A louca é, afinal, quem me sustenta: é dela, enfim, que vivo.

Subo para trabalhar. (Se eu tiver sorte, ela me escreve um livro.)

Por tudo e pelos nadas agradeço. O livro ainda está bem no começo, mas sei que posso, sempre, confiar.

Trabalhamos, brigamos, competimos.

De bom humor, a louca faz uns mimos, me brinda com idéias delirantes – que amanhã, ok, levo adiante.

Sobre o teclado, a imaginação vê em minhas mãos um dinossauro: o dedo médio é a cabeça.

Mas eu também estou em extinção, eu sei. A louca não: ela persiste como se fosse eterna. Nunca fica triste. Quando delira, a louca está feliz.

A inspiração, que é minha outra lira de sonhos e brinquedos, cordas tensas, se estende para um jogo. A louca pensa, avalia o convite e se recusa a brincar de versejar, contar estórias. “Vamos lá fora”, me propõe, ciumenta: “Agora é hora de ver o sol se põr.”

Eu não queria ir, mas a idéia me tenta. (No fundo, bem no fundo, a louca é um amor.)

À noite, depois de duas horas de TV, ela me diz: “Eu sou muito melhor! Desliga esse negócio, vem comigo.” Respondo: “Eu vou. Quer ver? Duvida? Espera um pouco, só. Você sabe que sou obediente.”

A louca da imaginação se impacienta e mente: “Se você não vier, eu vou embora!” Suspiro e obedeço, novamente.

A louca nem espera para ver. Confia em seu poder e vai em frente.

Vamos todos juntos para a cama. De madrugada, a louca é uma lente que permite de longe ver lembranças, colori-las, distorcer, voar: uns tristes planos, o que não se alcança, uns amores que tive, umas desesperanças, aquilo que inda quero, o que vou ter.

Ela me pega no colo e me aconchega: “Não pense nisso, não. Por hoje, chega. Amanhã começamos outra vez”.

A sensação, por fim, de bem-estar.

Eu espero e confio, confortada. Sem ela, quem sou eu? Um zero. Um nada.


p.s.

Explicação: Claro q escovo os dentes ao acordar, como todos os habitantes humanos do mundo q se considera civilizado. Mas se a ordem das ações fosse fiel à realidade, "esbalda" e "lauda" ficariam mto distantes... Já "espreguiço" e "isso" não são afetados, trocando a ordem. O q fez de "mim" uma desescovada foi pura questão de rima!

Nota

"A imaginação é a louca da casa" foi o tema dado para a primeira "provocação" do Quinto Desafio Literário, promovido pela Câmara dos Deputados (Literatura de Câmara). Nesse 'desafio', a cada semana é eliminado um autor. A provocação consistia em escrever um poema q descrevesse um dia na vida da imaginação, da manhã até a noite. Achei o tema, dado pelo coordenador Marco Antunes, dificílimo para os participantes (sou jurada do concurso). Mas resolvi encarar o 'desafio' (se eles têm q fazer, eu preciso no mínimo ser capaz de tentar...) e deu nisso q postei aqui. O Quinto Desafio está em andamento (está em sua terceira semana). Abraço!

--Betty VH 18h33min de 30 de Abril de 2010 (UTC)