Adeus chacareiro
Começar sem título e sem ideia alguma de tema pode me trazer vantagem. Não sei qual seja, mas alguma há de ser. Tenho inclinação ao otimismo, costumo olhar as coisas de um ângulo positivo. Pela lógica, só posso ver o lado bom de tudo. Ando meio enfadado do chacareiro, essa personagem que resolvi assumir e que facilita escrever sem me comprometer explicitamente. Essa confidência me deu ideias de despedida, por isso adeus ao chacareiro me parece um bom título, uma boa… solução. Pensei em usar em vez de “por isso” a conjunção portanto, mas não acho grande coisa tal solução (só nomeei assim depois de certa vacilação — as reticências me denunciam). Poderia usar por conseguinte, ou mesmo consequentemente pegaria bem. Já fui inconsequente mas tenho melhorado.
Uma vantagem de pôr-me a escrever atendendo unicamente ao apelo do comichão da escrita, pruridos literários, é que além de fazer cessar aquele incômodo, me conheço um pouco mais. Descubro pra mim e revelo aos demais, a quem chegou até aqui, a necessidade de falar eu mesmo, sem o subterfúgio da terceira pessoa, o chacareiro. Já não é sem tempo, depois da segunda dose da AstraZeneca. Só não exijam que eu cumpra a promessa e corte meu cabelo. A promessa original era não cortar o cabelo enquanto não tomasse a vacina, porém me deu gosto as madeixas grisalhas e fiz uma acomodação: um acerto com os santos. Eles não interrompem a proteção e eu permaneço sem tosa. Sim, a proteção da vacina tem sido declarada parcial, o auxílio celeste ainda está necessário.
No terceiro parágrafo já posso arriscar dizer que essa crônica pegou embalo. Se o Machado de Assis alimentava seus textos com telegramas que eram recebidos, dando conta de acontecimentos país afora, posso eu muito bem fazer o mesmo com o telegrama moderno, mensagens de WhatsApp. Não terei a mesma verve, a mesma facilidade com as palavras, mas nem por isso vou me impedir de ao menos tentar agradar quem me leia. Chegou no meu celular um vídeo de um vereador da Bahia, Vitória da Conquista, se não me engano, que me causou impressão. Tratava do assunto em voga, o voto impresso. Se eu tivesse emprego a zelar, ou seja, empregador a agradar, dificilmente esse assunto seria aventado aqui. Mesmo porque as crônicas sobre as polêmicas da atualidade estão em desuso. O vereador baiano só não xingou a mãe dos excelentíssimos juízes do TSE. As genitoras dos congressistas também foram poupadas. De resto, foi uma espinafrada geral. Nomeando especificamente o Ministro Luiz Roberto Barroso, ele fazia jus a legenda do vídeo, que em letras garrafais vangloriava: “chamou pro pau”.
De membro do mesmo grupo, veio outro vídeo que endossou a destinação secundária do deck de ipê circular que fiz montar no cerrado ao lado da casa, qual seja servir de escala entre Alto Paraíso e algum planeta distante. Os OVNIs, garante o vídeo, são fato descrito em relatórios da NASA, com selo de top secret, avistados em mais de uma ocasião. Observo aí certa modéstia pois eles não ousam chamar de OVOP, objetos voadores de outros planetas, se contêm e chamam-nos apenas não identificados.
Outro benefício de me valer dessas mensagens de WhatsApp que recebemos no grupo é que nunca me faltará assunto. Agora — digo agora, mas pode ser ontem ou semana passada, foi a notícia que o Brasil através do BNDES financiou a via expressa Luanda-kifondongo. O trajeto da via me chamou a atenção. Luanda todos já ouvimos falar, fica na África, é capital de Angola, já kifondongo parece uma metáfora para destinos longínquos, me lembra o inacessível cafundó do Judas; Kifondongo poderia ser em qualquer lugar, apenas sabemos que é no mesmo país africano, ou no máximo um país vizinho, pois uma via expressa ligando os dois lugares faz pensar assim. Nunca esses memes vem à toa. Logo em seguida sugere que a seca no Nordeste, a falta de saneamento básico, a rede hospitalar deficiente, tudo, tudo que nos falta está vinculado a essa obra. Não sei, pode ser. Há quem defenda o interesse estratégico desses financiamentos.
E agora de volta o assunto que une, ou melhor, deveria unir os que defendem uma coisa e outra: saúde pública. O que se vê é o contrário, os malefícios da pandemia revigorou as forças contrárias. Como dizia um velho professor do curso de jornalismo, “paciência, é um dado da realidade”. Chega de Israel a alarmante notícia de uma quarta onda do vírus. Por bem menos que isso eu mantive minha promessa de não cortar o cabelo. E foi boa medida, pois estão dizendo que após a segunda dose da vacina, cinco ou seis meses passados, a imunidade das pessoas mais velhas começa a cair. Tem pano pra manga!
Pelo visto, essa pandemia vai longe. Eu que fugi da cidade e fixei-me na área rural em grande parte por virtude dela, fico entre agradecido e pesaroso. Mormente nas horas de enfado, a balança tende ao desejo que a vida volte ao normal. Entrementes, o iPad, auxiliado pelo patógeno da escrita, vem facilitando a travessia. Nele, apesar da minha resistência o chacareiro forceja para permanecer ativo.