Diário de um chacareiro 28mar2023

De Sexta Poética
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Definitivamente, o chacareiro gosta mesmo é da cidade. Morar não, mas passear nela lhe enche de prazer. E inspiração para escrever que é, depois de contemplar o vale do São Bartolomeu, o que mais gosta de fazer.
O prazer fica maior quando nada o preocupa, não precisa estar atento ao trânsito, o grande gargalo da cidade grande. O vai e vem dos carros, o melhor itinerário, a mudança de direção, as paradas repentinas, tudo isso ficou por conta da motorista. Sua companheira dá aulas de Agroecologia no Campus Planaltina e ele foi apenas acompanhá-la num evento do IFB, uma palestra na Assembleia Legislativa do DF.
Uma amiga comentou a grande sorte do chacareiro de unir o útil ao agradável.
Já na saída da chácara começou a desfrutar daquela carona utilitária.
Depois que passa a porteira e percorre uns 1000 metros, passando antes pelo seu belo cerrado nativo e depois entre uma verdejante plantação de soja e o inusitado aeroporto do CBAAER, chega-se à vicinal Sobradinho dos Melos, que liga o Núcleo Rural com esse nome à DF 250. O chacareiro bem acomodado no banco do passageiro, viu com novos olhos o vale que ficava pra trás.
Essa visão ele teve lá do alto, depois que a vicinal subiu, serpenteou entre os morros e encontrou a DF 250; ali, depois de pegar à direita no sentido Planaltina e antes do retorno em direção à cidade satélite do Paranoá e ao Plano Piloto de Brasília, daquele ponto, ele viu o mundo renovado, sobrepondo-se ao que antes era; um espetáculo que, com a obra de duplicação do trecho que liga o Núcleo Rural Sobradinho dos Melos ao Paranoá, pode ser visto por todos que por ali passam. Basta ter olhos abertos ao belo. A DF 250 prossegue ainda perigosos 10 km em mão dupla até o balão da Rajadinha, na DF 030 — que une a velha Planaltina ao lendário “Café sem troco”.
O espetáculo está lá, na margem direita da rodovia pra quem quiser ver. E vai continuar ali por longo tempo. Mas, porém, contudo, todavia… os botânicos Wandersee e Schussler cunharam em 1999 o conceito de cegueira botânica, definida como a incapacidade de perceber as plantas no ambiente. Deve existir também a cegueira geográfica.
Depois que faz o retorno, o chacareiro tem um prenúncio do contato com o ambiente urbano. Logo passa em frente ao Condomínio Rural Euler Paranhos e então o cheiro de óleo diesel recende da garagem da empresa de ônibus Coobrataete, responsável por oito rotas em Brasília e entorno do DF. Em seguida uma imponente portaria dá acesso ao Condomínio Mansões Entrelagos. Nem tem mansões nem está entre lagos. O chacareiro, com tempo de sobra para procurar novos detalhes e fazer suas observações picantes, descobre no pequeno comércio que floresceu nas margens da rodovia, contíguo ao Entrelagos, um prédio de dois andares onde funciona a administração do Condomínio Residencial Novo Horizonte, cuja portaria de entrada virá logo em seguida, sem pompa nem circunstâncias.
Depois dessa portaria, a bem da verdade, o chacareiro sente aquela vontade secreta de voltar. Não fosse estar comodamente instalado no passageiro, talvez naquela manhã neblinosa, atendesse aos apelos mais íntimos e pegasse primeiro retorno.
Enquanto vamos narrando a viagem cômoda do chacareiro para acompanhar sua partner, os dias vão trazendo novas aventuras. E ainda estamos chegando ao Itapoã, ajuntamento urbano mais próximo do seu vale.
O que começou como invasão irregular de terras públicas nos anos 1980, primeiro dez barracos, depois 20, 30, 100… em 2005 ganhou status de Região Administrativa do DF e hoje tem 70 mil moradores, escolas, posto de saúde e um possante comércio. Ele poderia enumerar várias lojas de vários ramos de comércio, mas sendo o que é, sempre presta atenção nas empresas de pré moldados, de material de construção, uma madeireira de médio porte que ostenta na fachada em letras chamativas, Mercadão da Madeira, e, naturalmente, não deixa de observar as Agropecuárias.
Todas ao longo da rodovia DF 250, que o Google Maps chama de BR 479. Continua com os dois nomes até o “balão do Itapoã”. É como em Brasília se referem às rotatórias de trânsito. Bambolê também se ouve. Essa rotatória está com os dias contados. Já está cercada de tapumes brancos e já tem um barracão de canteiro de obras. Uma vistosa placa informa: “Construção do viaduto do Itapoã/Paranoá”. Deve ficar pronto às vésperas das próximas eleições, como é de costume. Vai melhorar muito o fluxo de veículos mas para o chacareiro vai continuar sendo um lugar difícil, aqueles momentos que requerem uma decisão, chegar ao Plano Piloto pela Asa Norte ou pela Asa Sul, duas experiências diferentes.
Para onde estão indo, a Assembleia Legislativa, a distância é praticamente a mesma, 2 km a mais ou a menos. Como estava indo de carona, dessa vez ele foi poupado.
Vamos saber numa próxima crônica por onde a motorista seguiu…