Vavá
Wagner Câmara Mafra. A lembrança mais antiga do Vavá não é lá muito agradável. Talvez venha daí a grande admiração que o chacareiro tem por ele: gravou na lembrança um dia entre os blocos F e D em que se desentenderam por conta de umas bolinhas de gude. Só na lembrança, no coração não. Os verdadeiros amigos são o que são, por inteiro. Um diz que acertou a bolinha, outro diz que errou, um diz que a vareta buliu, outro diz que não buliu, está armada a confusão; e briga de menino se resolve nos tapas. No dia seguinte é como se nada tivesse acontecido, e as brincadeiras recomeçam. Vavá era bom em tudo, bolinha de gude, finca, futebol… no War ganhava todas, tomava Bornéu , em seguida dominava a Oceania, entrava pela Groenlândia e já era dono da Europa… e naturalmente gostava de cantar vantagem. Era difícil de aguentar.
O chacareiro foi àquela sua visita mensal à podóloga. Agendou para 15 horas para ter tempo de almoçar com a filha e ainda tirar uma palhinha depois do almoço — como dizem, dar uma meditada. Saiu do Sítio Cristo Rei mais cedo do que necessário para ainda dar uma passadinha na casa do Vavá, na QI 06 do Lago Norte, a fim de ver de perto o pé de pitaya que ele postou a foto no grupo VIVANECA. A rua que dá acesso aos conjuntos 1 a 10 passa nos fundos da casa, por onde é mais fácil entrar. Parou, e “oi, cheguei”: enviou uma mensagem. Não demorou o portão se abriu e veio o velho menino de andar despojado e sorriso no rosto, sempre a mesma espontaneidade, aquela zombaria simpática.
Nos fundos da casa, ainda na área do lote, tem uma churrasqueira e para decorar tem uma bela coleção de copinhos. As filhas do Vavá lhe deram de presente um quadro para guardar copinhos comprados na Feira da Torre de TV, e ele não parou mais, para onde viaja traz um de lembrança. Tem copinhos do mundo todo. Trouxe um da chamada Riviera Inglesa, na Inglaterra, Paington, (“take your best shot”) onde alugou um Airbnb e passou uma temporada, outono/inverno de 2018, estudando e passeando. Em frente à churrasqueira fica uma piscina. O lote acaba aí, além daí é a área verde, onde não é permitida qualquer construção. Letra morta, todos os lotes do Lago Norte tem algum tipo de ocupação na área verde. O próprio chacareiro, quando morava na QI 13, construiu um canil. Um advogado que mora da QL 08, para driblar a fiscalização, argumentou que a edificação que levantara se tratava de um orquidário. A criatividade não tem limites. O Vavá construiu uma sauna e hoje o chacareiro conheceu sua “horta encaixotada”. São engradados plásticos sobre uma armação de metalon, que ele forra com sacos de aniagem e enche de terra e adubo. Para irrigação ele montou um engenhoso sistema de mangueira com aspersores. Colhe bonitas folhagens, tomate cereja, alho, cebola… muito bom, tem muito a ensinar para o chacareiro. De cortesia, e já como lição inicial, deu um litro de chorume de minhoca, com a precisa recomendação de diluir em água 1:10 para aplicar por aspersão em hortaliças.
Não parou nisso. Saíram de casa juntos, o chacareiro para 208 Sul e o Vavá para encontrar não disse quem, não vinha ao caso, ali na quadra ao lado, no Supermercado Pão de Açúcar. A empregada, a baiana de 37 anos, Ana Geralda, estava por ali perto. Desde os seus 27 anos vem duas vezes por semana de Planaltina para ajudar o Vavá e a Tânia nos afazeres domésticos. Os felizes encontros do Vivaneca, alguns tiveram um dedo da Ana Geralda. Ela era quem separava ingredientes, cortava tomates, picava cebolinha, para o mestre cuca Vavá dar seu toque de Midas, tudo transformado em ouro para receber os amigos — ela, vendo a movimentação laboriosa do patrão, inocentemente perguntou se ele ia sair de casa. Foi o bastante. Vavá é daquele tipo de pessoa que cativa logo qualquer interlocutor com seu jeito espontâneo, uma alegria inspiradora, que derruba as barreiras das formalidades sociais. “Não, vou não Ana, vou ficar aqui o dia todo vendo você trabalhar”. Desarma qualquer um… Ao sair, escolheu uma mudinha de cajueiro e ofertou ao chacareiro, que alguns dias depois a plantou na área frontal à casa, entre um pé de cagaita e outro de ipê amarelo, próximo a uma placa onde se lê “Anacardium humile – Cajuzinho da Dona Joaquina”.
Essa área frontal, uma espécie de quintal da frente, o chacareiro batizou de “Paço da D. Joaquina”, em homenagem à sua mãe. E nada melhor do que uma árvore frutífera plantada, dando cajus todos os meses de dezembro e janeiro, para enublar aquela cena entre os blocos “F” e “D” da 304 Sul, para encobri-la com a eterna memória que as boas amizades merecem.